sábado, 21 de fevereiro de 2009

Finalmente...

musica: Break the Chain - Gene Loves Jezebel
A corrente era forte, muito forte. Nadei contra ela até que por fim, exausto, tive de me agarrar ao fundo. As anémonas eram violentamente agitadas pela força da água, algas passavam por mim a grande velocidade.

Uns metros à frente vejo que as rochas formam uma protecção da corrente, espero que esta amaine e lanço-me na sua direcção. Finalmente consigo um abrigo para descansar um pouco. Normalmente não nado contra a corrente, mas hoje era necessário, não havia nada a fazer tinha de ir naquela direcção.

Ali abrigado os pensamentos fluem, vou ordenando a minha mente enquanto tento recuperar o fôlego.

Um polvo observa-me atentamente interrogando-se que faria ali aquele ser desajeitado. Pensa que só mesmo um humano para ser assim tão pateta a nadar contra a corrente, ainda por cima carregado de adereços.

De facto nós os Homens somos os únicos animais que lutam contra a natureza, todos os outros adaptam-se e fluem com ela. Nós não achamos que podemos controlá-la, domesticá-la... Pura ilusão, a natureza é bem mais forte e se continuamos a agir desta forma ela acabará por se virar contra nós.
Com estes pensamentos saio tentando alcançar um novo abrigo, cheguei lá e observo que há minha volta existe uma profunda Paz, em contraste com a minha respiração ofegante, os diferentes peixes observam-me algo espantados pela minha persistência em vencer uma corrente que é mais forte que eu.

Tento acalmar a respiração e descansar ao máximo para tentar novo trajecto, vou deixando-me contagiar pela harmonia que reina neste mundo de imponderabilidade. Aqui não há pressas, stress, ansiedade. Paz! Uma profunda Paz invade-me.
Olho para o computador, este indica que já gastei metade do ar da garrafa, mas ainda não atingi o meu objectivo, como conseguirei voltar? Será que quero voltar? Não será melhor ficar aqui? Deixar-me levar por esta tranquilidade e não mais voltar à superfície?

A ideia é tentadora, de repente atingir o objectivo deixou de interessar, só a harmonia que me rodeia interessa, a minha respiração abranda rapidamente. A Paz invade-me, toma conta de mim. Já nada mais me interessa, vou ficar aqui, já não volto!

Um caboz aproxima-se e diz-me que talvez não seja muito inteligente aquilo que estou decidido a fazer. Respondo-lhe que sinto-me em Paz e é assim que quero ficar. O caboz sacode a cauda e levanta a barbatana -És um parvo! Para quê que vais abandonar tudo? Achas que aqui em baixo há Paz? Não! A Paz que sentes é aquela que trazes dentro de ti, só que enquanto estás à superfície não a sentes pois tens outros objectivos. Já esqueceste que ainda não há muito tempo debatias-te para vencer a corrente, achas que estavas em Paz nessa altura?

-Não. De facto não estava em Paz e és capaz e ter razão, ela deve estar mesmo dentro de mim.
Olho para o computador, já passaram 38 minutos de mergulho, tenho ar para apenas 5. Não vou conseguir voltar ao barco, tenho de subir e depois nadar quase 1 Km à superfície.

Subo até aos 5 metros e faço a paragem de segurança de 3 minutos. Deixo-me fluir com a natureza, estou em plena Paz e harmonia com tudo o que me rodeia, a minha respiração está calma, sinto perfeitamente tranquilo.

A corrente arrasta-me docemente, deixo-me levar, acabou o tempo do patamar de segurança, vou subir.

Surpresa! Ali na minha frente está o cabo da ancora do barco, agarro-o e subo por ele. Já há superfície deixo-me levar pela corrente até à popa e com calma subo para bordo.

Lição aprendida!

4 comentários:

Micas disse...

Até eu já estava a ficar sem ar!!! realmente o mar consegue sempre dar-nos grandes lições, basta que o saibamos escutar...
Adorei as fotos, soberbas como sempre.
Fica bem e bom domingo

Nitrox disse...

Micas - Pena que sejam "requentadas" pois são de outro mergulho, neste não levei câmara. Essa história está no 32.

Fica Bem!

Paulo Lopes disse...

Está giro este teu espaço, por momentos revi-me aqui.

Há muito que não ouvia falar no River Gurara e esta semana é a segunda vez, fez-me lembrar que houve uma altura em que conhecia o destroço a palmo, acho que ainda tenho por aí uma vigia das que ajudei a tirar de lá. Um destroço afundado entre tantos que foram os meus mergulhos predilectos noutro tempo (pré "nitrox") mais à frente li um relato de uma viagem onde "passaste" por cima de outros célebres: a "barca das 19" em Sagres ou o "L'Océan" na Salema...E outros perto...

Um abraço.

Nitrox disse...

Paulo Lopes - Esta semana completou-se o vigésimo aniversário do naufrágio do River. Houve uma iniciativa para evocar a memória dos que pereceram e para honrar os heróis dessa noite. Infelizmente não pude comparecer em nenhum dos eventos agendados.

Bem-vindo ao meu canto.