quinta-feira, 31 de julho de 2008

Está tudo bem

música: It's Alright - Café del Mar

Esteve um dia lindíssimo, as gaivotas piavam enquanto deslizavam suavemente na brisa do fim da tarde. Tinha estado na Cordoama, onde as ondas violentas convidavam a umas surfadas. O contraste após percorrer uma dúzia de quilómetros era evidente, aqui em Lagos o mar está liso como uma mesa de bilhar. O Barlavento do Algarve é assim, num lado uma calmaria do outro, um mar furioso. Vou inspirando o cheiro da maresia, fecho os olhos e viajo no tempo, até a um fundo submarino coberto de algas púrpura, onde pairo sem sentir qualquer peso, qualquer força externa.

Um pequeno peixe observa-me atentamente, interrogando-me sobre a minha presença. Tranquilamente respondo-lhe que estou onde sempre quis estar, que por um erro fortuito a natureza fez-me nascer humano, embora na realidade apenas me sinta bem debaixo de água.

Ficamos bastante tempo a olhar-nos um ao outro, invejei-o, ele pode levar toda a sua vida debaixo de água, respira-a, não precisa de coletes, nem de lastro, nem de fatos, nem de aparelhos respiratórios. Ele invejou-me, podia sair daquele mundo e entrar noutro, podia ver os pôr-do-sol, respirar na atmosfera, contemplar o voo dos pássaros, não tinha de me preocupar com os predadores e podia sempre voltar cá para baixo, para o reino do silêncio.

Continuei o meu passeio, maravilhando-me com a delicadeza de um caboz, ao mesmo tempo que pensava que se calhar o pequeno sargo tinha razão o caboz confirmou, disse-me que ali todos me invejavam, até a estrela-do-mar que podia bem passar umas horas fora de água, mas não tinha olhos para ver. Acabei por lhes dar razão, afinal a expressão popular “esperto que nem um sargo” devia ter algum fundamento.

Pela primeira vez senti-me bem por ser um humano, por poder contemplar ambos os mundos, por poder ter consciência da beleza do mundo e admirá-la, afinal a natureza tinha razão, a natureza tem sempre razão, nós os Homens é que temos a mania que a havemos de corrigir. Senti uma raiva profunda, sou da mesma espécie que está a delapidar o planeta, mas lembrei-me de Jacques Cousteau, de Al Gore e dos muitos milhares de anónimos que, como eu, apoiam ou apoiaram instituições como o Greenpeace ou a Quercus e que diariamente lutam por um planeta melhor, lembrei-me da cada vez mais emergente cultura ecológica, lembrei-me da minha filha.

Talvez haja uma esperança para a humanidade, talvez não seja tarde demais para salvar o planeta.

Um pequeno ruivo passeou pela minha frente, decidi ficar ali a observar como ele caminha pelo fundo com as suas patitas, levantando sedimentos em busca de alimento. A vida para ele pode ser simples e graciosa, mas afinal de contas ele não tem capacidade para se poder deleitar dela.

Enchi os pulmões com o ar salgado do fim da tarde, regressando da minha viagem no tempo e no espaço, contemplo o voo gracioso das gaivotas enquanto o vento sopra nos meus ouvidos. It’s Allright! A suave melodia do Café del Mar preenche o resto do quadro, a felicidade é algo de momentâneo, é um estado de espírito que se pode atingir mesmo no meio da adversidade, só precisamos de seguir o que nos disse o Dalai Lama “Apenas há 2 dias no ano em que nada se pode fazer, um chama-se ontem e o outro amanhã...”.

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