domingo, 19 de outubro de 2008

A melhor viagem da minha vida

Música: Sailing - Rod Steward

Foi no dia 20/08/1994, partimos de Lisboa pela madrugada para aproveitar a maré, eram 06:00 lá estávamos a bordo do Magali o meu pequeno veleiro de 7,50m construído em 1942.

A primeira parte da viagem decorreu a motor, pois o vento era praticamente nulo. Toc, toc, toc - tossia velho Volvo Penta de 1 cilindro, apesar de ser mais recente que a embarcação ostentava com orgulho a data de fabrico 1950.

Chegamos ao cabo Espichel já perto da hora de almoço, o velho navio arrastava-se pachorrentamente a 3 nós. Decididos a cortar caminho a direito rumo a Sines. Vi-me obrigado a mergulhar debaixo do barco para soltar o giroete de modo ao odómetro poder marcar a distancia percorrida. Para não perdermos tempo e visto que o vento era muito fraco, optamos por manter as velas içadas continuando em andamento. Atei um cabo e mergulhei para debaixo do barco, é impossível descrever a sensação que tive, tirando o casco do barco apenas via o azul. Acho que nunca me tinha sentido tão só, mas ao mesmo tempo sentia-me em casa.

Algumas horas depois avistamos lá ao longe estranho esguichos de espuma, intrigados fomos buscar os binóculos e vemos um bando de golfinhos, virei a proa na sua direcção embora achasse impossível alcança-los. Foi com enorme surpresa que os vimos aproximarem-se, vindo brincar alegremente na proa do vetusto barco. Os seus saltos e acrobacias deixaram-nos maravilhados durante longos minutos, a velocidade reduzida da embarcação e o infatigável toc-toc foram esquecidos enquanto corríamos da proa à popa e de estibordo a bombordo para tiramos fotos ou simplesmente contemplá-los. Talvez cansados da nossa lentidão acabaram por partir, deixando-nos completamente entusiasmados.

Com a chegada do pôr-do-sol deu-se outro momento mágico, retomei a cana do leme após ter vestido o fato isotérmico, apesar de ser Agosto
com o sol a perder intensidade o frio começou a aumentar. A beleza do pôr -do-sol no mar é redobrada, o Zé agarrou na câmara e registou a foto que ainda hoje uso para me identificar.

Esta foto trás-me recordações não só de momentos belos mas sobretudo de uma profunda sensação de liberdade. Nunca me senti tão livre em toda a minha vida! Apesar de confinado a um espaço de 7,25 m por 3 m, tinha à minha volta a imensidão do Oceano, apesar da cabine não ter mais de 1,5 m de altura, sobre a minha cabeça pairava o infinito. Todas as noites sonho em voltar a fazer uma viagem assim, desta vez sem rumo nem destino traçados, apenas navegar pelo mar impelido pelos ventos.

A noite passou lenta e fria, apesar de ter um fato de treino, uma camisola de lã, um gorro de malha e umas jardineiras e casaco isotérmicos (uns Helly Hansen concebidos para o agreste mar Báltico) apenas uma garrafa de Brandi conseguia aquecer a alma.

Pela manhã dobramos o cabo de S. Vicente. É uma visão grandiosa esta cabo, a 1ª vez que aqui passei estava tocar Wagner, mas hoje não havia música para além do toc-toc. Senti-me esmagado de novo pela imponência destas rochas, talvez existam no mundo outros lugares assim, mas este tem uma mística muito especial, uma série de promontórios separados por pequenas baías têm o seu ex-libris no promontório de Sagres venerado desde o tempo dos Celtas que lhe chamavam o promontório dos Deuses acreditando que era aí que Eles viviam.

Séculos mais tarde foi escolhido pelo Infante D. Henrique como berço do maior e menos sanguinário império da História. Foi uma obra de Deuses os feitos de Gil Eanes e dos que lhe seguiram, pois apenas Deuses conseguiriam realizar o feito que eles fizeram de tornar o mundo pequeno.

O 2º dia de viagem decorreu calmamente até chegarmos à Salema, aí o vento de Norte começou a rugir forte, impulsionando o Magali (já com o motor desligado num mais que merecido repouso) a uma velocidade de 10 nós, que rapidamente nos fez chegar ao nosso destino - Lagos. As 5 toneladas de peso gostavam era de vento rijo e o velho veleiro acelerou deixando uma comprida esteira de espuma e percorrendo as milhas que faltavam até à baía de Lagos ao triplo da velocidade que o motor nos tinha impulsionado durante dia e meio.

A viagem apenas ficou interrompida, um hei-de retomá-la até à eternidade!


Velejem no Lado Escuro da Lua!

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